terça-feira, 27 de abril de 2010

Miguel Sanches Neto fala sobre literatura e escrita

De onde você é? O que você faz? Não são perguntas tão simples de serem respondidas. Não para alguém como Miguel Sanches Neto, que nasceu em um lugar e sente-se parte de outro e que tem mais de uma "profissão". Esta e outras questões foram abordadas por ele no texto Um Igual , publicado do jornal Gazeta do Povo. Já que estas perguntas são complexas e de difícil resposta, ele responde outras sobre o que mais entende literatura. Em entrevista concedida por email Sanches Neto, que lançou este ano o polêmico Chá das Cinco e no segundo semestre lança o livro de contos Então você quer ser escritor?, fala sobre a literatura nacional e regional, sobre a função da arte e dá dicas para quem deseja ser escritor.
******************************************




Em seu texto, Um igual, publicado na Gazeta do Povo (30/03/2010) você lembra que Carlos Drummond de Andrade era funcionário público e escritor. Vem de longa data a necessidade que os escritores têm de se virar em outra profissão, a palavra não alimenta? Foi assim com você também?

Não temos um mercado para a literatura nacional. Nossa literatura moderna optou por romper com o público, fazendo uma literatura para contentar os críticos universitários. Nossa literatura anterior ao modernismo não contava com uma população alfabetizada. Então, desde sempre houve necessidade de ter um emprego. Eu acho isso bom, pois permite que o escritor viva dentro de situações sociais reais.


No mesmo texto você expressa: ... continuo acreditando na arte como deslocamento, como desconforto pessoal e coletivo. A arte não pode afagar feridas e egos, ela tem de cutucar machucados e incomodar o amor próprio?
A função da arte não é entorpecer o fruidor, mas mexer com ele, levá-lo a ser um inconformado. Ela causa dor. Mas também causa prazer. Um prazer doloroso, poderíamos dizer.


Você já escreveu crônicas, contos, romance. Com qual estilo se identifica mais ao escrever, e por quê?
Com o romance, pois é nele que cabem todos os outros gêneros. Ele permite ao escritor uma variação muito grande de recursos. Podemos dizer mais nele.


Na estante de quem quer escrever quais títulos e quais autores não podem faltar?
Os títulos dos autores que fazem parte da sua família espiritual. Primeiro, você tem que saber a qual família você pertence. Descobrindo isso, tem que buscar os grandes desta linhagem. Então, a lista de livros essenciais varia de pessoa para pessoa, e a minha só serve para mim.


Você certa vez afirmou que só existe autor se existir público. Diante dessa afirmativa cria-se o quadro: É preciso publicar um livro para aí ser escritor? E mais, hoje, com a internet, a popularização dos blog´s, muita gente escreve e é lida é o suficiente para ser literatura e caracterizar o blogueiro como autor?
Claro, não importa o meio em que se é lido, o importante é ser lido. Agora, eu acredito que no meio papel há uma leitura mais densa. Mais material. Então, a gente se sente mais autor quando publica um livro. Mas é apenas uma impressão.




Quais considerações pode fazer sobre a literatura paranaense contemporânea? Há alguém despontando no mercado editorial que mereça destaque?
A literatura paranaense é quase toda ela uma literatura curitibana. Hoje, não acompanho mais os lançamentos, então não posso fazer apostas com o mínimo de segurança. Dos que acompanho, eu apostaria no Rogério Pereira e no Pellanda, que começam uma trajetória como autores.




Você é professor de literatura. Assim com inicial minúscula como você fez questão de escrever no texto já mencionado. Em todos estes anos de sala de aula, qual o maior erro que percebeu nos alunos da área literária?
Querem ser professores de literatura e não lêem literatura, apenas textos teóricos. Querem saber escrever e só lêem traduções e textos mal escritos.


O que está lendo agora?
Acabei de ler A morte de Matusalém, contos de Isaac Bashevis Singer. Este escritor judeu fala do conflito entre o mundo religioso e o material, entre a crença e o vale-tudo do materialismo, e seus contos, neste livro, tratam sobre a traição – conjugal, histórica, étnica, mística. E são escritos por um grande fabulador, talvez o mais importante narrador do ocidente no século XX. E nos re-ensina a contar histórias. Li praticamente todos os livros dele.


Para este ano há algum lançamento seu previsto?
Acabei de lançar o romance Chá das cinco com o vampiro (pela Objetiva) e lanço em agosto um volume de contos (Então você quer ser escritor?) pela Record. É neste livro que estou trabalhando agora.


Para quem deseja se lançar no mercado editorial, quais são as suas dicas?
Desenvolver outros trabalhos editoriais paralelos à escrita criativa. Fazer crítica para jornais e blogs, organizar volumes temáticos, fazer tradução, ou seja, ter uma vida editorial antes de ter livros para oferecer aos editores. Fazer-se minimamente conhecido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário