terça-feira, 12 de abril de 2011

Então você quer ser escritor? Miguel Sanches Neto fala sobre seu mais recente livro

Escritor, professor e colunista Miguel Sanches Neto é acima de tudo, ou antes de mais nada, leitor. Ele concedeu entrevista exclusiva ao 500g de cultura, por e-mail. Sanches Neto fala sobre seu mais recente livro “Então você quer ser escritor?”, lançado pela Record e ainda sobre a literatura nacional e os novos escritores. Leia abaixo entrevista completa. 



 Este seu novo livro de contos sai após 8 anos de sua última publicação neste gênero. Por que esperou tanto para lançar uma nova coletânea?

Eu escrevo em vários gêneros. Cada um deles tem um tempo diferente de maturação. Um livro de crônicas nasce mais rápido porque estamos semanalmente escrevendo crônicas. Um livro de poemas pode demorar uma década, pois no meu caso eu escrevo dois ou três poemas por ano. Lancei agora uma antologia de poemas, com textos de outros livros e alguns ainda inéditos – chama-se Alugo palavras (Edelbra, 2010) – mas o próximo livro com os inéditos está programado para 2015! Livros de contos e poemas são obtidos por acumulação – vamos guardando os textos até eles formarem um livro. Já romance é algo que geralmente escrevo ao longo de um ano de trabalho e acaba publicado no ano seguinte. Esta demora do livro de contos é própria da sistemática de escrita que adoto.

Em qual estilo se sente mais à vontade e por quê?

Eu me sinto mais à vontade no romance, porque sou um escritor afeito a textos longos. Mesmo meus contos e alguns de meus poemas são longos. No romance, é possível dizer muito mais, criar situações mais complexas, levar o leitor de um lado para o outro. É uma forma literária muito agradável tanto para ler quanto para escrever.

O nome do livro, e de um conto que o compõe, é uma crítica à exploração do sonho que muitas pessoas têm de ser escritoras? Você não acredita que os inúmeros cursos e palestras que visam despertar e ensinar o ofício escritor são válidas e eficientes?

Não digo que seja uma crítica, mas é uma ironia. Todo mundo quer ser escritor, mas poucos querem ser leitores. Transportemos isso para o futebol: e se todos os torcedores fanáticos quisessem jogar profissionalmente? Sou favorável a todo aprendizado da escrita em todas as faixas sociais e de idade, mas não podemos perder de vista que, antes de mais nada, nós devemos ser leitores. Hoje, há um glamour em torno da figura do escritor. Conheci um jovem que queria ser escritor e perguntei o que ele estava lendo – me confessou que até então só tinha conseguido ler um livro em toda a vida.

O que é preciso para ser escritor?
Apenas 5 coisas: primeiro: leitura; depois: mais leitura: em seguida: mais leitura; por fim, é preciso ter um olhar atento à realidade; e também imaginação.

Você é professor de literatura, é comum que seus alunos te mostrem material literário deles, para uma análise?

É comum sim, e confesso que isso não me agrada. Leciono num curso que forma professores, então tenho que preparar pessoas conhecedoras de literatura brasileira – minha disciplina – e não escritores. Na sala de aula, eu sou professor; não sou escritor. Faço esta distinção de maneira bem clara. Quando eu der uma oficina literária, aí serei escritor e professor ao mesmo tempo. Os jovens são muito afoitos.

De todos os seus personagens, qual se parece mais com você, nas atitudes, nas inquietações, na visão de mundo?
Provavelmente, o professor Carlos Eduardo, do romance A primeira mulher (Record, 2008). Ele é mais cínico e mais libertino do que eu, mas é um personagem que está próximo de minhas ideias sobre o mundo contemporâneo, embora em não assine tudo que ele diga.

O que você está lendo atualmente?
Acabei de ler um ensaio sobre o poeta na sociedade moderna – chama-se A dádiva: como o espírito criador pode transformar o mundo (Civilização Brasileira, 2011), de Lewis Hyde. E estou lendo agora um velho romance histórico – O drama da Fazenda Fortaleza, do Davi Carneiro, livro de 1941. Além de material variado para a escrita do meu próximo romance.

Tem algum novo autor que ficou esquecido ano passado, e que você considera como revelação?

Não.

Não há lançamento previsto do livro em Curitiba, correto?
Como publico muito, parei de organizar lançamentos. Aceito sempre convite para participar de eventos, e, nestes eventos, havendo lançamento, submeto-me a eles. Sou tímido, e fazer lançamento é algo psicologicamente complicado para mim.

Quais são seus próximos projetos para este ano?
Sai um livro de ensaios sobre literatura brasileira pela Ateliê Editorial, de São Paulo. O livro se chama Valores da literatura. É um tipo de texto mais técnico. E eu tento trabalhar no meu novo romance, que vai se passar em meados do século XIX.

Deixe um recado para nossos leitores:

Nunca esqueçam do gosto solitário da leitura.



Leia abaixo trecho inicial do conto  “Então você quer ser escritor?” do livro homônimo.


"Antes eu olhava as orelhas dos livros de autores mais velhos para ver com qual idade haviam escrito suas obras-primas, sofrendo ao saber que muitas surgiram quando eles eram bem mais jovens do que eu. Hoje, às vésperas da velhice, confiro a idade dos jovens autores, que estréiam cada vez mais cedo, e vejo que estamos sendo sucedidos por uma geração afoita. São belos, trazem a juventude na pele sem marcas, nos cabelos bem cuidados, nos músculos expostos e nos lábios sensuais, produzindo uma literatura que, diante desses outros atributos, não conseguimos sequer avaliar. Leio os dados biográficos, estudo as fotos e dou uma folheada nos livros, sem o menor ânimo. Tanta beleza ofusca qualquer qualidade literária. Atordoado por esta exuberância, lembro-me de uma frase de Hemingway: “A maioria dos escritores vivos não existe”. Digo isso em voz alta quando estou na frente da estante de lançamentos em alguma livraria, e sempre desperto olhares desconfiados, o que me obriga a deixar o livro na prateleira e ir embora com a sensação de ser observado por todos. Mas ontem, depois de repetir as palavras de Hemingway, despertando em uma jovem ao lado um riso de desprezo, me senti atraído por um livro." 

Após 8 anos Miguel Sanches Neto lança novo livro de contos


Redação: Luana Gabriela da Silva
Foto: Hugo Harada

Um comentário:

  1. Parabéns pela entrevista, Luana!
    Miguel Sanches Neto é, sem dúvida, um escritor que pode criticar e aconselhar.O seu estilo é invejável. Lemos esse trecho inicial do livro e queremos correr até uma livraria para conseguir um exemplar da obra.

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